Desenvolvendo a Escrita Teológica – I


 

As dicas desse texto são um verdadeiro tesouro, fruto da minha experiência e dos meus longos anos de estudos. Posso garantir que se você as observar, elevarão a sua inteligência e sua escrita a um novo patamar. O desenvolvimento da escrita, não importa qual seja a disciplina que você se proponha a escrever, requer paciência, perseverança, repetição e tempo. Antes de mais nada, desenvolver a escrita significa, de fato, aprender a escrever. Significa passar de um estágio a outro em seu nível de escrita e intelectualidade. É mudar o habito de escrever de uma forma comum, ou mesmo simplória, para uma forma superior. É uma verdadeira mudança intelectual.

 

A capacidade de escrever sobre teologia, por exemplo, está relacionada a uma preparação intelectual anterior, ou seja, uma formação intelectual profunda e abrangente que fornecerá o conteúdo da escrita. A mudança de um estágio comum para um mais avançado é decorrente da preparação anterior e do conteúdo adquirido pelos estudos. Considerando particularmente a escrita teológica, ofereço alguns passos que você poderá dar para melhorar sua produção escrita:

 

Primeiro, a teologia tem sua própria linguagem. Cada disciplina tem seu próprio idioma, com seu vocabulário específico. Com a teologia não é diferente. Seu idioma é muito rico e precisa ser conhecido por todo aquele que deseja escrever sobre teologia. Eu me refiro, a princípio, à linguagem geral da teologia, e não à linguagem específica de cada área teológica. Conhecer a linguagem teológica é uma tarefa hercúlea, mas precisa ser feito. Nenhum avanço poderá ser dado na sua escrita teológica se você sequer conhece o idioma da disciplina. A linguagem da disciplina também está relacionada ao público que terá acesso ao seu texto. Textos de teologia geralmente são lidos por pessoas voltadas ao estudo teológico, sejam elas acadêmicas profissionais (teólogos), estudantes leigos ou cristãos sem maior instrução teológica que estão interessados no assunto. Independentemente de quem vai ler o texto, a escrita precisa respeitar o campo a que ela oferece alguma explicação. Ou seja, seu texto precisa seguir a regra da língua da teologia.

 

Se o seu texto é voltado especificamente para teólogos, ele precisa conter o vocabulário próprio da teologia. Termos teológicos devem ser usados com frequência, tendo em vista que todo teólogo tem obrigação de conhecê-los sem que maiores explicações precisem ser dadas para cada novo termo que for surgindo. As Teologias Sistemáticas geralmente estão carregadas de termos teológicos, tais como: expiação, propiciação, queda, subsistência, trindade, expiação vicária, obediência ativa e passiva, substância, essência, monismo, dualismo, dicotomismo, tricotomismo, criacionismo, traducianismo, concurso divino, preordenação, eleição, etc. Além desse tipo de linguagem, há ainda os quase infinitos termos em latim, grego e às vezes em hebraico que permeiam as Teologias Sistemáticas: ad hominem, ad extra, ad intra, ex nihilo, theotokos, parusia, gnosko, kenosis, etc. Todo teólogo tem obrigação de conhecer esse vocabulário. Por ser uma escrita voltada especificamente para o público acadêmico, as pessoas comuns não conseguirão compreender algumas coisas escritas, o que certamente comprometerá o ganho que terão com seu texto. Mas esse não é um problema do texto, e sim do leitor que não está pronto para textos como esse. Isso é verdade para qualquer campo de estudo.

 

O estudante deve estar ciente de que a tarefa dele consiste em conhecer termos e expressões teológicas. As expressões são compostas por construções textuais que são maiores do que uma única palavra. Geralmente as expressões teológicas surgem em latim e costumam aparecer em obras teológicas mais antigas e especializadas. Outro detalhe que o estudante deve estar atento, é quanto à amplitude de significados. Às vezes uma mesma palavra tem significados distintos conforme a disciplina. Um único termo pode ter significado diferente em Teologia, Filosofia ou Direito. O termo grego logos, por exemplo, tem sentido distinto na filosofia de Aristóteles em relação ao evangelho de João. Esse fenômeno dos múltiplos significados é comum.

 

Atenção especial deve ser dada ao desenvolvimento de significados de um mesmo termo em teologia. Alguns termos têm sentido particular na patrística, ganhando novas nuances na teologia medieval, na Reforma, e ainda desenvolvimentos posteriores. Isso significa que o estudante deve observar com atenção qual o significado que o autor que ele está lendo dá ao termo. Às vezes o autor comunica claramente o que deseja dizer, outras vezes ele apenas oferece pistas, porém algumas vezes nada é informado e o leitor precisa se desdobrar para entender o sentido que está sendo dado. O leitor precisa obter material especializado para essa tarefa, tais como Dicionários de termos teológicos, filosóficos, patrísticos, etc. Logo, surge a pergunta: como adquirir (apreender) este vocabulário da língua teológica?

 

O segundo passo consiste no estudo da Teologia. Não há outro caminho senão a estrada da busca do conhecimento por meio de muito esforço e perseverança. Para chegar lá, é preciso leitura teológica. Muita leitura! Mas, vamos logo levantando a primeira ressalva: não adianta ler qualquer coisa, nem mesmo qualquer coisa escrita na área da teologia, é preciso leitura especializada. Leia, inicialmente, as grandes obras teológicas (estou supondo que o leitor tem um mínimo de conhecimento teológico). Se gastar tempo lendo textos rasos, que não tratam da teologia em sua essência e densidade, essa leitura não será útil para avançar de um estágio de escrita para outro. Linguagem rasa resultará em escrita do mesmo nível. É uma linguagem teológica que o obriga o leitor à reflexão, pois carrega dificuldade vocabular, e isso fará com que o leitor busque ajuda para entender o texto. As ajudas significam consulta em dicionários e manuais especializados, coisa que o leitor precisa adquirir. Consultas na internet não são tão confiáveis. As obras clássicas, de autores já consagrados, devem ter prioridade na pesquisa.

 

É justamente esse processo que vai garantir o seu avanço na escrita. Quando você luta com um texto, você acaba se familiarizando com ele. Mas lembre-se: toda luta traz suas próprias dificuldades, por isso este é um processo lento e que vai exigir resistência e perseverança. Não tenha pressa em terminar a leitura, pois você está treinando e não meramente lendo. Seu compromisso é adquirir conhecimento diferenciado, e não avançar página após página. Depois de vencer um parágrafo, ou um conjunto de parágrafos que desenvolve um certo argumento, e ter passado por vários termos novos e difíceis, certifique-se que entendeu o que leu. Leia novamente, agora já sabendo o significado dos termos que antes não sabia. Anote cada termo que pesquisar e depois volte a ele para aprendê-lo com seu respectivo significado. Aprender vocabulário é tarefa de repetição, de idas e vindas num mesmo verbete ou expressão, (fazer isso é extremamente necessário!). Registar os avanços no aprendizado dos verbetes também é um passo inteligente para avaliar seu aprendizado. Na lista de termos e expressões, assinale semanalmente as que já aprendeu. Você aprimorará seu vocabulário lendo obras de alto nível em teologia, e com isso, o processo de pensar e escrever se assemelhará.

 

Esta é uma capacidade que se aprende vendo e fazendo. O processo da repetição, de voltar a termos antes consultados, e revê-los, inclusive com suas nuances de significados, forjará o intelecto do leitor. Tenha o tempo como um aliado, não como seu inimigo. A pressa é seu maior inimigo. O segundo inimigo é a preguiça. Você vai precisar ser obstinado para vencer esses dois monstros. Meu conselho é que você comece seu treinamento com uma Teologia Sistemática. Minha sugestão é a Teologia Sistemática de Louis Berkhof, pelo fato de contemplar muitas facetas que ajudarão o leitor neste trabalho. Outros livros também podem ser úteis, como por exemplo: Deus e Seu Decreto, de Samuel Renihan. O tema tratado neste livro inevitavelmente exige um vasto vocabulário especializado. Contudo, evite obras mais devocionais, de linguagem comum, que são muito úteis em outros contextos, mas que não ajudarão neste caso. Não há a necessidade de muitos livros nesta etapa. Um único livro, ou dois, serão suficientes para os primeiros passos dessa jornada.

 

Quanto tempo dura esta primeira etapa do treinamento? Serão necessários pelo menos um ou dois anos para começar a perceber as mudanças na sua escrita. O tempo é uma variável difícil de determinar com exatidão, porque ele depende de outros fatores, como por exemplo a quantidade de tempo diário ou semanal que será separado para os estudos, ou a capacidade de apreensão de cada estudante. Além disso, o próprio nível intelectual e o grau de conhecimento teológico do aluno é um fator que pode exigir mais ou menos tempo.

 

Uma observação importante: a escrita acadêmica é difícil e muito seleta em si mesma. De modo particular, eu prefiro escrever numa linguagem mais ampla e acessível do que numa linguagem profundamente teológica. Primeiro, porque não escrevo primariamente para acadêmicos, mas para toda a igreja em geral, o que significa que um teólogo compreenderá o que escrevo tanto quanto um leigo da igreja. Em segundo lugar, mesmo utilizando linguagem teológica em algumas partes dos meus textos, busco sempre explicar o significado dela, seja no próprio corpo do texto ou numa nota explicativa no rodapé. Ainda que escreva para a igreja em geral, a linguagem teológica é obrigatória, por isso o autor necessariamente precisa conhecê-la, mesmo quando busca simplificar o texto.

 

Por mais fácil que seja a sua escrita, nunca deixe de usar os termos teológicos importantes. Pelo contrário, use sem pedantismo ou abuso, e busque familiarizar a igreja com os termos da teologia quando produzir textos. Assim, quando escrever, explique. Explique termos e significados. Ao escrever para a academia, um teólogo geralmente não explica os termos que está usando porque subtende que seus pares conhecem a linguagem. Quando escrever, pressuponha que seus leitores não conhecem os termos, por isso explique-os. O leitor se deparará com um termo difícil, mas receberá a resposta que precisa imediatamente.

 

Continua na próximo artigo.